domingo, 10 de janeiro de 2010

A LITERATURA DE CORDEL NA SALA DE AULA

A literatura, uma das manifestações artísticas humana, pode de fato, como as outras, ser considerada como o lugar de (re)produção, pois um texto transmite uma concepção individual e/ou universal, tanto física quanto psicológica, de uma realidade. Através dela o homem escritor/leitor externa o que pensa, o que sente e o que vivencia, lançando mão de uma linguagem particular que perpassa a realidade e a ficção.
É também na relação homem-literatura que muitas imagens, visões, ideologias e estereótipos são perpetuados e inventados, dentro de uma realidade sócio-histórica, criando assim, as representações sociais, as quais se constituem através da palavra, dos sentimentos e das ações do sujeito.
Dessa forma, a literatura pode ser analisada como arte mimética, ou seja, uma arte que imita a vida, visto que ela não é algo diverso da realidade. Ao contrário; ela está em contato direto com o real - histórico, cultural, político e social -, pois, mesmo utilizando-se da ficcionalidade, retrata o mundo vivido e concreto, marcado por adversidades, que constroem a subjetividade humana.
Nesse contexto está inserida a Literatura Popular, que também constrói os seus heróis segundo uma lógica que está relacionada intimamente às transformações sociais, e, muitas vezes, essa literatura legitima uma condição ou um conjunto de práticas que não são vivenciadas pelo povo. O que possibilita, em suas narrativas, a transformação dos vilões em heróis. Através de suas narrativas, é possível perceber as marcas da oralidade e da vivência do povo, o que a exclui dos estudos de literatura nas escolas, esta que privilegia apenas a literatura canônica.
É nessa perspectiva que vem à discussão a Literatura de Cordel, uma modalidade narrativo-poética, até pouco tempo definida como desabonada. Tal definição acontece devido à má qualidade de impressão, o pouco caso com a correção lingüística, a presença marcante da oralidade. Outro fator que define a Literatura de Cordel como uma literatura menor é o fato de tradicionalmente, os cordéis serem vendidas em feiras, e o tipo de consumidor, em geral, serem pessoas de baixo nível de escolaridade, interessadas em temas jocosos, de aventuras e heroísmos, dentre outros.
Trata-se de uma literatura viva, ligada à visão universal do povo, fato relevante para o entendimento da própria identidade nacional. Nela os cordelistas não só narram suas histórias, pois deixam também pistas para o mapeamento político, social e histórico de nosso povo, uma vez que, através das narrativas poéticas, a Literatura de Cordel deflagra, provoca, registra, sublima e decide a luta entre o poeta e o universo, entre os indivíduos sociais. Colocada a serviço de uma ideologia, tal literatura vive em função do tempo, do espaço e do homem, sempre se posicionando contra ou a favor – nunca indiferente. Por isso, a mesma provoca mudança de vida tanto do poeta quanto do leitor.
Apresenta muitas vezes uma poesia ativa que provoca catarse, uma mudança de pensamento, através das palavras; é uma poesia que age sobre o povo e instiga as mudanças sociais por meio da crítica a exemplo das cantigas de escárnio e maldizer. É o que afirma Faustino (1985, p. 40):

(...) A poesia age sobre a sociedade na qual se manifesta, testemunhando e criticando (no sentido profundo) uma parte da humanidade ou toda humanidade de uma certa época, estimulando e provocando essa humanidade a transformar-se, criando utopias e alimentando ideologias (...)

Assim sendo, acredito que a Literatura de Cordel pode assumir um caráter pedagógico, pois ela apresenta um forte discurso de resistência e auto firmação do ser nordestino – e mais especificamente do baiano -, e por ser um forte instrumento de combate às representações e aos estereótipos de baiano veiculados na mídia e em outros textos. Principalmente se ela for trabalhada desde as séries iniciais do Ensino Fundamental II, uma vez que nesse período é possível, também, discutir a (des)construção identitária de um povo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário